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27/11/2023

De Bem com a Vida: Psicopatas no trabalho, como identificar e como agir

De Bem com a Vida: Psicopatas no trabalho, como identificar e como agir

Psicopatas corporativos usam suas disfunções como impulso na carreira empresarial, destruindo ambientes e carreiras enquanto sugam méritos pelos sucessos e passam adiante a culpa pelas suas falhas – saiba identificá-los e entenda como agir.

O psicopata usa, manipula e ilude. Ele não se importa com os danos que causa a outras pessoas, não consegue controlar seu próprio comportamento, e troca qualquer planejamento pela possibilidade de seguir seus impulsos. Por mais que pareça assustador e desconectado da realidade a todos os que o observam de perto, consegue transmitir uma imagem positiva e segura a quem o avalia sem proximidade1.Psicopatas frequentemente buscam a sensação de poder e controle sobre os outros, e têm facilidade em se posicionar de forma agressiva na selva corporativa: são manipuladores, usam seu carisma e inteligência para apoiar o comportamento de intimidar e mentir sem o menor constrangimento, eis que não são guiados pela empatia e pelos conceitos morais de certo e errado.

No discurso do psicopata, sempre convincentemente genuíno, todas as culpas são claramente dos seus desafetos, todos os méritos são dele mesmo, e todos os integrantes da equipe têm desempenho inferior e interesses ocultos. Na hora de buscar se explicar a quem o investigue, o que o psicopata exige dos outros sempre pode ser caracterizado por ele como o comprometimento da equipe (se não com a estratégia da organização, ao menos com o posicionamento anteriormente declarado por algum superior na hierarquia) ou como a busca da excelência ou ainda, ironicamente, como a construção de um ambiente de trabalho mais harmonioso.

Os comportamentos permitem reconhecer as características comuns dos psicopatas corporativos

O cotidiano do psicopata é marcado por manipulações, dissimulações e traições, sempre em busca de vantagens pessoais e para o seu perverso prazer, conforme aponta a psicanalista Déborah Pimentel2.

Diagnosticar um psicopata, diferenciando-o de pessoas com outros comportamentos indesejados no ambiente de trabalho (como a mania de perseguição ou de se vitimizar) é tarefa para profissionais, mas a lista a seguir identifica várias das características mais evidentes que o psicopata corporativo exibe:

  1. Considerar-se referência do que há de melhor hoje no ambiente e do que já aconteceu no histórico da organização.
  2. Não sentir nem fingir culpa por seu comportamento e suas consequências, mas saber fingir remorso ou arrependimento quando lhe é conveniente.
  3. Evitar o registro de suas declarações, ordens e planos, para que possa mudar de discurso ao sabor da conveniência, evitando assumir a responsabilidade pelas suas orientações, e dificultando que seu desempenho possa ser medido de forma objetiva.
  4. Quando consultado, sempre “responder sem responder”, de modo a não se comprometer com o resultado do que disser, nem evidenciar qualquer deficiência nos seus conhecimentos e habilidades.
  5. Manter segredos sobre assuntos triviais, e buscar controlar quais informações circulam entre as pessoas a seu redor.
  6. Presumir que o mundo gira ao seu redor, e assim os fatos negativos ocorrem como um ataque contra ele, e as vitórias ocorrem exclusivamente por causa dele.
  7. Tornar difusas as responsabilidades, de forma a que ele possa sempre se eximir da culpa por falhas, e ao mesmo tempo possa assumir a responsabilidade pelos sucessos.
  8. Considerar-se isento e imune às regras, sejam as formais ou as criadas por ele mesmo. Considera justificado tudo o que faz, seja pela finalidade ou pela circunstância.

 

É fácil identificar as características acima nos comportamentos em relação à equipe, superiores e subordinados, que podem incluir exemplos como estes:

  • Tratar os seus colegas como se estivessem um nível abaixo dele, e os subordinados como se fossem camponeses feudais.
  • Expor os membros da equipe a seus episódios de raiva, em que ridiculariza deficiências alheias para evitar expor as suas.
  • Desrespeitar a privacidade dos colegas, seja lendo e-mails e papeis, incomodando-os em horários impróprios, ou mesmo buscando interferir em suas atividades e relacionamentos pessoais.
  • Plantar a semente da discórdia e afastar-se, contando com a má qualidade do ambiente (criada por ele mesmo) para que a semente atinja o resultado pretendido.
  • Criar regras conforme sua conveniência, frequentemente em desacordo com as regras formais ou com seu discurso anterior.
  • Usar mentiras e distorções para danificar a reputação de colegas, subordinados e superiores.
  • Intimidar ameaçando, de forma direta ou velada, usar sua influência para prejudicar a imagem profissional dos colegas.
  • Estabelecer objetivos inalcançáveis e conflitantes, de forma que sirvam apenas para ter permanente justificativa para agir contra os outros, alegando ser em razão do baixo desempenho.
  • Atribuir grande importância a falhas mínimas, e deixar de reconhecer até mesmo os mais importantes sucessos da equipe.
  • Isolar as pessoas, fazendo com que se sintam excluídas, expostas e sem saber com quem contar.

Além disso, as atitudes do psicopata que revelam a atenção extrema à imagem que ele projeta também ajudam a evidenciar as suas características, como nos exemplos abaixo:

  • Buscar interferir no que se divulga sobre ele.
  • Atribuir grande importância aos elogios que recebe.
  • Transformar todo feedback negativo em ofensa que deve ser respondida, “esclarecendo” que a responsabilidade não foi sua.
  • Falar muito sobre si mesmo, sempre se colocando na posição de responsável por tudo de positivo que existe, e como quem vai “dar um jeito” em tudo que considera errado ou imperfeito.
  • Evitar e rejeitar o reconhecimento de mérito a integrantes da sua equipe – os méritos são dele.

Quando o psicopata é identificado, geralmente já houve danos à equipe e não é fácil revertê-los.

Segundo John Clarke3, é mais comum encontrar os psicopatas corporativos nas empresas que estão passando por mudanças ou reestruturações, pois elas se tornam um ambiente propício para que o psicopata permaneça despercebido por um período de tempo maior.

Uma pessoa pode conviver por anos com um psicopata sem se dar conta disso, mas no momento em que se essa característica vêm à tona em um colega ou superior, frequentemente o profissional se descobre em uma encruzilhada, na qual tentar sair da posição de vítima ou de cúmplice (por omissão, geralmente) exige se expor a riscos e prejuízos dos quais o próprio psicopata calculou cuidadosamente para escapar.

O processo de identificar o colega ou superior psicopata pode ser lento, porque eles geralmente têm grande habilidade em fazer um jogo sutil no qual as investigações normais sempre apontam outros culpados e/ou responsáveis, e em que eles figuram apenas como vítimas, ou mesmo como as pessoas que tentaram evitar um mal maior.

O sucesso do psicopata corporativo depende de interferir nas informações que cada pessoa recebe, e de tornar confusas as responsabilidades individuais.

Quando o psicopata está em ação, tudo leva os colegas desinformados a terem solidariedade (ou mesmo piedade) pelo papel que ele exerce, inclusive porque ele mascara sua arrogância como se fosse mera autoconfiança, e a falta de escrúpulos como se fosse mero impulso de provocar mudanças.

Como um parasita que ataca o sistema nervoso, o psicopata corporativo procura posições em que pode filtrar quais informações chegam a cada membro da equipe ou superior, e interferir diretamente no comportamento de cada um deles, isoladamente, para que ninguém saiba com clareza quem é responsável pelo que, quem sabe de que, quem fez o que, e quem está ao seu lado– assim, o ambiente logo se transforma em uma enevoada conspiração.

Ao redor do psicopata corporativo, as vítimas ou piões de seu jogo não conseguem traçar o mapa completo das razões que causam cada vez mais membros da equipe amedrontados e sem iniciativa, com autoestima baixa, e se afastando com desconfiança de todos os demais colegas.

De acordo com John Clarke (op. cit.), é comum que as vítimas do psicopata corporativo apresentem efeitos como sensação de perda do controle de suas vidas e da confiança em si mesmas, questionamento sobre sua habilidade profissional, e episódios de pânico, depressão, ansiedade, distúrbios do sono, problemas de relacionamento interpessoal, abuso de álcool e drogas, etc.

Nesse tipo de situação, é difícil que algum indivíduo se convença a dar um basta. Nenhum colega sabe se é o único que está sofrendo, isoladamente, os efeitos que percebe. Cada pessoa perde a referência do que é percebido como normal pelos demais membros do grupo, e possivelmente deixa de perceber até mesmo que toda essa situação é arquitetada e impulsionada pelo psicopata que está manipulando o ambiente.

Não adianta tentar negociar para convencer um psicopata a deixar de agir conforme sua natureza.

A premissa de que a consciência, como a definimos vulgarmente, é algo que faz parte da condição humana nos leva à ilusão de que não possa existir alguém que não a possua, ou seja, de que possa existir um indivíduo sem remorso, sem culpa, sem escrúpulos e que não tenha consciência dos efeitos de suas atitudes na vida das pessoas. Ou pior ainda, ele sabe e não se importa com isso, pelo contrário, muitas vezes sente prazer quando percebe o sofrimento das pessoas ao seu redor, como comenta Valine Reinhardt4.

É preciso ter em mente que os apelos à razão e a usual prática de dar uma advertência discreta, mas manter o profissional na posição que ocupa não resultarão em nada positivo quando se trata de um psicopata. Segundo John Clarke (op. cit.), a psicopatia “(…) é uma condição para a vida toda. É um distúrbio de personalidade; dessa forma, características são apresentadas constantemente por todos os aspectos da vida”.

Estudos sobre os psicopatas violentos que são pegos após a prática de crimes já indicam que tentativas de reabilitação não mudam seu comportamento e podem tornar o problema maior para as vítimas, já que a experiência de como foi descoberto e de qual foi a consequência leva o psicopata a desenvolver e adaptar novas habilidades sociais, usadas para depois manipular as pessoas de forma ainda mais eficaz.

Ou seja: o psicopata não vai se emendar e, caso negocie uma maneira de se manter em sua posição, cedo ou tarde irá usá-la para repetir os mesmos comportamentos de antes, agora voltados também a afastar qualquer possibilidade de sucesso das pessoas que o contiveram antes e conhecem sua forma de agir.

Mais grave que isso: não se trata de uma condição mental em que a pessoa ignora as consequências de seus atos. Ainda segundo John Clarke, os psicopatas “(…) estão cientes dos efeitos que seus comportamentos têm em outros ao redor, mas simplesmente não se importam. Pior: muitos psicopatas gostam do sofrimento alheio”.

Você pode se proteger de um psicopata corporativo, mesmo que seja difícil virar o jogo.

Tendo a certeza de que existe um caso de psicopatia na sua equipe, o comportamento ético ideal seria reunir as provas e denunciá-lo na confiança de que os canais competentes se encarregarão de removê-lo, mas nem sempre essa alternativa está ao alcance imediato sem incorrer exatamente nos riscos que o psicopata providenciou cuidadosamente para ficarem no caminho de quem “se meter com ele”.

Outro comportamento ético seria afastar-se, movido da certeza de que continuar na equipe acabará por transformar você em vítima ou em cúmplice involuntário, pois tem conhecimento do comportamento profundamente incorreto do psicopata e nada fez a respeito. Neste caso, além do prejuízo pessoal por abrir mão de sua posição e ter de recomeçar em uma nova equipe e atividade, você também pode estar reforçando a posição de dominação que o psicopata busca construir para si.

Restam as situações de desagradável convivência, motivadas pela expectativa de que em algum momento será construída a oportunidade para remover da equipe o psicopata.

Saiba como agir durante a convivência se o psicopata em questão for:

  • Seu superior hierárquico: não o ameace, e evite fazer com que ele se sinta ameaçado por você, caso contrário você irá rapidamente para o topo da lista dos candidatos a vítima.
  • Seu colega: não tente testá-lo ou fazê-lo registrar por escrito o comportamento incorreto que ele adota. Os psicopatas são atentos a esse tipo de movimento e têm grande habilidade de fazer com que a culpa recaia sobre outras pessoas, portanto procure ficar fora do seu radar de vítimas, guarde seus próprios registros discretamente, e sempre recuse encobrir as ações dele, ou figurar como corresponsável por algo realizado sob o controle dele.
  • Seu subordinado: se você não tiver como afastá-lo da organização, ele rapidamente perceberá, e agirá contra você tentando enfraquecer a sua posição de liderança, que ele verá como um obstáculo cuja remoção está ao alcance. Não tente preparar armadilhas ou tentar fazer com que o psicopata produza provas contra si mesmo. Ao contrário, procure agir ao redor dele, minando as principais bases do seu impulso: mantenha abertos os canais de comunicação que ele tentará fechar, e mantenha claras as definições de responsabilidades que ele tentará confundir.

Em todos os casos, enquanto for durar a coexistência “pacífica”, localize pontos em que haja convergência de interesses entre o psicopata e a equipe, e politicamente busque sempre enfatizá-los, e atuar preferencialmente neles.

John Clarke (op. cit.) recomenda que a vítima do psicopata corporativo registre tudo que acontece diretamente com ela, anotando detalhadamente (fato, local, data, testemunhas) as situações ocorridas e, antes de agir formalmente, consiga pessoas que possam assinar suas anotações como testemunhas. É comum o psicopata se negar a dar ordens por escrito, e por isso Clarke recomenda que, nos casos em que há relação hierárquica entre ele e a vítima, esta envie a ele um e-mail descrevendo as atividades que lhe foram delegadas e ao final, pedindo a ele uma resposta caso tenha alguma instrução diferente.

Saber o que não fazer pode ser tão importante quanto saber o que fazer

Em primeiro lugar, não caia na armadilha de sair acusando em público alguém de ser psicopata por que exibiu um conjunto dos comportamentos mencionados acima. Ele saberá, usará isso a seu favor, e contra você.

Augusto Campos é Administrador, pós-graduado em Gerenciamento de Projetos, pós-graduado em Implantação de Software Livre. Atua na área de Planejamento Estratégico em Florianópolis e é autor e mantenedor dos sites BR-Linux, BR-Mac e Efetividade.

Para se preservar, não procure os canais competentes da sua organização para fazer a sua queixa sem antes ter certeza de que as suas provas são suficientes para remover o psicopata de uma só vez. Se necessário, procure orientação especializada (fora dos círculos da empresa) antes de agir.

Além disso, não faça nenhum comentário ou menção ao assunto enquanto houver colegas fascinados com o carisma do psicopata e a aparente capacidade que ele tem de sempre produzir resultados.

Finalmente, como recomenda Valine Reinhardt (op. cit.), é importante lembrar-se sempre de que todos podem ser enganados por um psicopata, e o único culpado da situação é o próprio, um ser vazio e insensível e com uma capacidade de manipulação incrível.

 

  1.  Atenção, este texto que você está lendo no Efetividade é uma adaptação não acadêmica de um trabalho de aula que apresentei em uma disciplina de gestão de pessoas na pós-graduação. Isso explica o tamanho maior do que o normal  ↩
  2.  Déborah Pimentel é a autora de “Psicopatia da Vida Cotidiana”, publicada na edição 33 de Estudos da Psicanálise. ↩
  3.  O psicólogo John Clarke é autor do livro “Trabalhando com Monstros” (Ed. Fundamento). ↩
  4.  Valine Heinhardt é autora de “Psicopatas corporativos – devastando vidas e empresas”. 

 

Fonte: https://efetividade.net/2014/04/psicopatas-no-trabalho-como-identificar-e-como-agir.html

 

Por: ASMETRO SI – Associação dos Servidores do INMETRO-SI -  Secretaria Geral - 24 de abril de 2019

 

 

Nota: O presente artigo não traduz a opinião do ASMETRO-SN. Sua publicação tem o propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.